Ives Klein, IKB 73 Monoblau, c. 1960.
Continuando a discussão sobre cor, abordaremos uma questão no mínimo intrigante: as pinturas monocromáticas. Delas, analisaremos um dos mais notáveis exemplos: Ives Klein. Quais os conceitos subjacentes ao IKB-73 Monoblau? Poderíamos compará-lo ao Branco Sobre Branco de Malevich?
Em 98, a 24ª Bienal de São Paulo, a da antropofagia, expôs alguns monocromos de Klein. Pesquisando os artigos dos curadores, tive a grata surpresa de ler, em tom de manifesto:
Com exceção de sua função canibal, Monocromos brancos e sua significação permanecem enigmáticos. Em compensação, o pintor da “cor pura” não se cansou de explicar e enfatizar o quanto a significação de seus Monocromos nada tinha a ver com a arte abstrata. Klein rejeita [em] alto e bom som a geometria de um Mondrian ou de um Malévitch, apenas para afirmar mais ainda que “ele não é um pintor abstrato”: “Detesto o obscurantismo, que se diz místico, desses falsos pintores” (RIBETTES, 1998).
Cabe comentar uma noção de abstração. Puls (1998) propõe que a arte abstrata, ao negar a representação mimética da realidade, carrega consigo esta mesma representação, mas como negação. A negação carrega a afirmação. Uma forma simplista de ilustrar esse conceito é o fato de que não se pode evitar algo sem pensar e/ou conhecer este algo.
Se os monocromos não são abstratos, propõem-se à mímesis (à afirmação) e devem ser interpretados como signos que contêm significantes. O que significaria, portanto, afirmar: “Klein não pintou senão recortando na cor pura a cor pura”? (RIBETTES, 1998)
Malevich, Branco Sobre Branco, 1918.
Uma interpretação preconceituosa seria categorizar suas pinturas monocromáticas como mais uma intervenção, iguais às suas tentativas de vôo. Neste caso, a tela monocromática serviria como um registro do fato de ter patenteado o azul ultramarino como International Klein Blue (IKB); do fato de ter usado este mesmo azul na Grande Antropofagia Azul, em que modelos nuas atuavam como pincéis; e do fato de classificar uma tela inteiramente monocromática como não-abstrata, justamente porque, ao contrário dos abstratos, não rejeitava o nu.
Entretanto, se interpretarmos uma pintura de Klein isoladamente, ela se tornará auto-referente e, por isso, criará um tipo especial de paradoxo igual ao criado por “Esta sentença é falsa”. Se a sentença é verdadeira, ela é falsa; se falsa, é verdadeira. Não existe possibilidade de mímesis, nem positiva, nem negativa: apenas nonsense.
Um nonsense semelhante é o fato de Andy Warhol interpretar suas obras usando atores de Hollywood como pinturas abstratas. No caso, Klein procede justamente na via oposta; diz ser figurativa uma imagem não mimética.
A única forma de deixar o jogo é, portanto, assumir como verdadeira a afirmação do artista e interpretar a cor como signo dela mesma. O azul quer dizer “azul”.
Um quadro monocromático de Klein, por isso, não é como um quadrado de Malevitch. O fato de possuir uma forma deve-se simplesmente à impossibilidade de se construir um plano monocromático infinito ou ainda, à impossibilidade de mostrar uma cor sem utilizar um suporte material.
PULS, Mauricio. O significado da pintura abstrata. São Paulo: Perspectiva, 1998
RIBETTES, Jean-Michel. Yves Klein — a orgulhosa incandescência do branco. XXIV Bienal de São Paulo. São Paulo, 1998. Disponível em: <http://www1.uol.com.br/bienal/24bienal/nuh/pnuhmonklei02a.htm>. Acesso em: 6 jul. 2003.
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